quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Trechos do Livro AMORES GÓTICOS


Nuvens negras se avolumavam no horizonte. Hugo olhou à volta, à procura de abrigo. O vento soprava forte, uivando.
Ao longe, numa região abandonada do horizonte, parecia haver uma casa. Talvez conseguisse chegar a tempo, se corresse.
Amaldiçoou a mochila, que pesava nas costas. Os tênis também estavam gastos na sola, dificultando a corrida.
Atrapalhado pelo cabelo esvoaçante, ele olhou para trás: as nuvens compactas continuavam avançando como uma nave gigantesca, pronta para pousar.
Houve um silêncio só quebrado pela respiração ofegante e pelo trotar da corrida . A natureza permaneceu assim, muda, até que começassem a cair os primeiros pingos de chuva.
Hugo já estava parcialmente molhado quando alcançou a varanda do casarão antigo. Encostou ofegante em uma das vigas que sustentavam o teto. A madeira rangeu. Ele respirou fundo, inspirando pelas narinas e soltando pela boca. Fez isso até que o coração diminuísse as batidas. Só depois entrou na casa.
O casarão devia ter sido construído há bem mais de um século. Talvez dois. Incrivelmente, podia-se observar ainda alguns móveis não destruídos pelo tempo. Viu uma pintura , um retrato oval pendurado na parede de uma das salas . Representava uma mulher incrivelmente branca, de uma beleza angelical. Tinha lábios pálidos e olhos de morta. Teria ficado horas lá, observando o retrato, se não tivesse necessidades mais preeminentes. Tinha fome.
Andando com cuidado, temeroso de que o chão pudesse ceder com seus passos, Hugo percorreu vários cômodos até chegar à cozinha . Havia um fogão à lenha no compartimento. Examinou-o. No meio da poeira e das telhas de aranhas achou um livro. Tinha uma parte da capa e da folha de rosto queimados, mas o miolo se conservara quase que completamente intacto. As paginas, num papel grosso, não ultrapassavam 50 e a maior parte ainda estava em branco, como pôde verificar ao acender um fósforo. Em todo caso, era providencial. O papel viria bem a calhar na confecção da fogueira .
Hugo recolheu alguns restos de madeira dos móveis e pôs ao lado do fogão. Desfez alguns, os mais podres, com um canivete. Arrancou algumas paginas do livro. Amassou o papel e rodeou-o de pequenos gravetos. Inflamou-os rapidamente com um fósforo que tirou da mochila. Continuou arrancado paginas e alimentando o fogo até que ele se tornasse forte.
Lá fora a chuva continuava . Raios tremendos iluminavam a cozinha através da janela de madeira destroçada. Hugo retirou da mochila uma raiz de mandioca, descascou-a e colocou sobre o fogo. Durante dias aquilo havia sido seu único alimento, desde que roubara as raízes numa plantação de beira de estrada.
Enquanto esperava que a mandioca assasse, sentou numa cadeira. Foi quando seus olhos deram com o livro . Observou que não avia mexido na parte manuscrita. Assim, pegou-o, afim de se distrair enquanto esperava. Como já percebera antes, apenas algumas poucas páginas estavam escrita, numa letra inconstante.
Leu :
Conheci Elizabeth enquanto estudava na Europa . Fora me apresentava por uns amigos . Encantei me com ala Sua pele era de uma brancura indizível. Tinhas cabelos negros, olhos da mesma cor e era muito magra . Mas, Ah ! Que bela e que misteriosa que era! Ver seus lábios brancos se abrindo era um deleite para poucos. Pouco falava e dificilmente sorria.
Apesar da timidez de ambos, enamorei-me dela e decidi trazei-la comigo para o Brasil quando tive notícias da morte de meu pai. Que eu soubesse, não havia qualquer impedimento da parte de Elizabeth... até então vivera em pequenas pensões, sozinha . Não tinha família, ou, se tivesse, deviam ter sido esquecido dela.
O fato é que alegrou-se com o convite. Estávamos apaixonados e a perspectiva de vivermos juntos nos deixava imensamente felizes. Já na viagem arrependi-me. Elizabeth enjoara com o mar e passava quase todo o tempo no camarote, de cama.

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